Uma fotografia século 21. In http://pnl2027.gov.pt/np4/10minutosaler.html
Ontem participei no plano do "10 Minutos a ler" e li aos alunos:
VASCO PULIDO VALENTE RECUSOU LIDERAR O "PLANO NACIONAL DE LEITURA" EM 2006
"Causas Nobres"
Recebi uma carta assinada por três ministros (a sra. Ministra da Cultura, a sra. ministra da Educação e o sr. ministro Santos Silva), que me convidava para ser membro de uma Comissão de Honra do Plano Nacional de Leitura. Com a carta vinha uma síntese do dito Plano. O papel da Comissão de Honra seria dar o seu "prestígio e aconselhamento à execução do Plano". Por outras palavras, fazer alguma propaganda à coisa, como de resto o dr. Graça Moura, "muito penhorado", já começou a fazer.
Propaganda por propaganda, resolvi responder em público que não aceito. Por várias razões.
Em primeiro lugar, porque a carta e a "síntese do Plano" estão escritas num português macarrónico e analfabeto (frases sem sentido, erros de sintaxe, impropriedades, redundâncias, por aí fora). Quem escreve assim precisa de ler, e de ler muito, antes de meter o bedelho no que o próximo lê ou não lê.
Em segundo lugar, não aceito por causa do próprio Plano. O fim "essencial" do Plano é "mobilizar toda a sociedade portuguesa para a importância da leitura" (a propósito: como se "mobiliza" alguém "para a importância"?). Parece que as criancinhas do básico e do secundário não lêem, apesar do dinheiro já desperdiçado no ensino e em bibliotecas. Claro que se o Estado proibisse a televisão e o uso do computador (do "Messenger") e do telemóvel, as criancinhas leriam ou, pelo menos, leriam mais. Na impossibilidade de tomar uma medida tão drástica, o Estado pretende "criar um ambiente social favorável à leitura", com uma espécie de missionação especializada. A extraordinária estupidez disto não merece comentário.
Em terceiro lugar, não aceito porque o Plano é inútil. Nunca se leu tanto em Portugal. Dan Brown, por exemplo, vendeu 470.000 exemplares, Miguel Sousa Tavares, 240.000, Margarida Rebelo Pinto vende entre 100 e 150.000 e Saramago, mesmo hoje, lá se consegue aguentar. O Estado não gosta da escolha? Uma pena, mas não cabe ao Estado orientar o gosto do bom povo. No interior, não há livrarias? Verdade. Só que a escola e a biblioteca, ainda por cima "orientadas", não substituem a livraria. E um hiper-mercado, se me permitem a blasfémia, promove a leitura mais do que qualquer imaginável intervenção do Estado.
O Plano Nacional de Leitura não passa de uma fantasia para uns tantos funcionários justificarem a sua injustificável existência e espatifarem milhões, que o Estado extraiu esforçadamente ao contribuinte. Quem não percebe como o país chegou ao que chegou, não precisa de ir mais longe: foi com um número infinito de "causas nobres" como esta. "Causas nobres", na opinião dos srs. ministros, convém acrescentar.
VALENTE, Vasco Pulido. (2006). "Causas Nobres". Consultado em 04-12-2018. No site Público. Website: https://www.publico.pt/2006/05/21/jornal/causas-nobres-80010