Amarcord. Frequentava o primeiro ano da escola primária e media cento e dez centimetros. Quarenta mil anos após o 25 de Abril opto por um tom evocativo do espírito da época, misturando os pequenos nadas da vida de todos os dias com o grande acontecimento, a revolução dos cravos, que começou às 22h55 de 24 de Abril de 1974 e terminou, digamos, na noite de 25 de Novembro de 1975. [Imagens cedidas por Victor Valente. 2004 ] Anos 70. Os meados e fins dos anos setenta foi para mim a aventura da escola primária. Tardes a jogar à bola ou a correr pelas ruas. Circa Abril de 74 é o meu «Amarcord». É a televisão a preto e branco, os desenhos animados do «Vickie», a «Gabriela, Cravo e Canela», o «Espaço 1999»; são as brincadeiras infindáveis pela noite dentro para chegar a casa enegrecido de tão sujo que ficava (os jogos de bola combinavam-se assim: «muda aos seis, acaba aos doze»). Por vezes os gritos de «os ciganos vêm aí!» faziam-nos fugir rua acima. Verão Quente de 75. Pelo meio as manifestações, das quais só me lembro de um imenso mar de pernas, ou o dia em que uns dez milhares de operários da Lisnave subiram a encosta para defender, com um cordão humano, o quartel de Almada ameaçado de bombardeamento por voos rasantes da Força Aérea - várias vezes houve o risco de uma guerra civil. Após a tempestade política do Verão Quente de 1975, a calma surge com a intervenção militar de 25 de Novembro de 1975. Em 1974 Lisboa era uma cidade pequena, pobre e triste. As barracas, os bairros de lata, eram imensos e cresciam à volta da capital. Ao «Amarcord», de Fellini, podemos somar um pouco, muito pouco, do «Gato Preto, gato Branco» de Emir Kusturica. Fiquei com uma excelente impressão desses tempos... "Lembras-te das associações de estudantes? As associações nesses tempos funcionavam como viriam a funcionar alguns partidos que então não existiam, a pulso, com muita vontade e muita militância de uns, alguma ambição dos que consideravam estar no ensaio geral da vida ou mesmo de outra época que acabaria por vir, da política, com P grande, dos empreendimentos medidos e negociados, das actividades que incluem outros que não sabem perfeitamente o que estão a fazer ou porquê, se bem que julguem saber para quê. [ DIONÍSIO, Eduarda - Retrato dum amigo enquanto falo. Lisboa : Quimera. 1988 ] |
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